29 de abril de 2005

Oração dos Malditos

Creio na morte acima de todas as coisas
Creio na saciedade dos vermes
Na finitude da alma
No peso da terra

Creio no crepitar dos círios
Velando a inexistência
No algodão enfiado às fuças
Nos gases inchando o corpo
Pois é metano o futuro

Creio no desfazer das carnes
E no azedume de todos os velórios

Soneto Maldito

É fátua a felicidade em minha vida
Como o tempo que dos relógios escorre
Farta é esta dor lancinante, ganida
Que arrebenta as horas de quem morre

De que, por idéia mais descabida
Duvida, mesmo de sua existência
-pura ilusão que de tão "garrida"
Sepulta-me à cova da pestilência

Não por saber o nada como futuro
Mas por tê-lo como presente
Em meu coração "inveros-símio" auguro

O que apenas um imbecil sente:
Não há na vida algo tão escuro
Quanto descrer-me, inclemente

23 de abril de 2005

Lágrima

O que te escrevo
É a dor que ocultava
Entre os olhos e as pálpebras
Entre a língua e o verbo

O que te escrevo
É a lágrima
Que desce em segredo

Surpresas

Tuas surpresas vomitam ódio
Tuas surpresas
Revelam teus infernos ocultos
E o futuro disforme
Que te devora

Intenção

Mesmo
À palavra morta
A intenção
Será poeta

Miserável

Queria não ser o miserável
Que vomita certezas falsas no meio-fio
Queria não ser o sorriso da morte
Refletido nos espelhos do mundo
Queria não ser um grito
Feito de carne e soluços...
...queria não preferir a morte

Véspera

Nada mais criativo
Que a loucura provocada pela dor
Que a ausência de futuro
-teto descendo sobre a cabeça
Nada mais criativo
Que a véspera
Do suicídio

Veias

Virá destas veias
O sangue que suprirá teu orgulho
Virá destas veias
O mesmo sangue
Que vaza de meus olhos
O alimentra tua podridão

Virá destas veias
O adeus
Rubro e líquido
Que tanto anseias

Pulso

Que meu pulso chore
As lágrimas vermelhas do enjeito
Que vomite a morte de um sonho tísico
E as lembranças
Que ainda resistem...

14 de abril de 2005

Agora

Agora quero a solidão
Exijo a ausência de todos
Agora quero a solidão
Pois não cabe ao pulso
Desviar-se na navalha
Nem à bala
desviar-se do curso
Após o disparo

Agora
Exijo a solidão que me definha
Mas que me é sincera
-não comporto vultos ao meu redor
apenas a solidão assistirá
meus últimos instantes

Vasilha

Sou a vasilha onde o destino escarra
Quem desimporta, o imbecil, cretino
Homem sem dons, da morte o hino
Pescoço posto à lâmina da cimitarra

A merda, o lodo, vômito do desatino
Aquele em quem a repugnância crava sua garra
-não há felicidade em mim que deus não varra
nunca houve respeito por meu coração menino

Então danço, vítima de um ritual sagrado
Danço meu réquiem , danço moribundo
Dança o homem, no destino, seu fado

Dança o tolo neste espetáculo imundo
Para deleite de um deus desfigurado
Leproso, repleto de escárias, nauseabundo.

Silêncio

No silêncio infecto que há entre nós
Vermes banqueteiam-se em teu lado escuro
Enquanto segue o féretro de teu futuro
No mistério de haver gritos onde não há voz

No hermetismo estúpido das covardias
Desprezas o que no mundo há de mais puro
Tornando teu coração pétreo, duro
Incapaz de derramar-se em alegrias

Pois te vale mais o medo que as fantasias
-a realidade que negas te é senhora
e faz-te morta às noites frias!

Mas qual agiota a vida te cobra a mora
Qual moiras sabes dos fios podres com que fias
Teu futuro, que logo chamar-se-á agora

Raiva

Com a raiva dos demônios
Excreto minha alma
Na garganta extasiada
De Deus

Morte

Enquanto a iminente morte
Abrevia meus passos sobre a terra
Meu espírito errante
Erra

Destino

...e o destino se repete
com a frieza dos assassinos...
Repete-se em fúria
E com a máscara do acaso
tritura-me os olhos
Sepulta-me os sonhos
Vomita-me de mim

Soneto Pascoal

Cuspo em Cristo, lambo os cravos e o sangue azedo
Jogo ácido no Cordeiro, lobo da humanidade, ímpio, doente
Em quem fez da consciência algo amorfo, indolente
Semeando falso amor, filho dileto do medo

Cuspo em Cristo, em sua covardia clemente
Cuspo, escarro, vomito n’Ele pois mesmo tarde ‘inda é cedo
Para romper esse pacto bi-milenar de segredo
Desvendando a face do mito que ‘inda mente

Louvo os Gentios, os mercadores do templo, os filisteus
Os de pecados puros, Madalenas que não se arrependeram
Os que sabem que a derrota do homem é Deus

Os que graças à humanidade se perderam
E em se perdendo professaram a verdade aos seus
Libertando-os, tornando-os ateus




Morte

A morte
Tem meu nome
Entre os dentes

13 de abril de 2005

Jamais

Jamais minha língua
Serpenteará em teu sexo
Provocará-te o êxtase
Que apenas em sonhos encontras

Jamais meus dedos
Percorrerá teu corpo
Com a ousadia dos bandeirantes
Prospectando segredos em tua pele

Jamais pousarei minha alma
Em tua vida...
As expectativas morreram
Cabe a nos apenas
Féretro e enterro dignos

11 de abril de 2005

Insígnia

O que resta de mim
É o ridículo que enlouquece
Cravos, madeira e insígnia
Para um cristo impuro

O que resta de mim
É o assassínio dos sonhos
A purgação da esperança
Os espelhos
A morte eterna

Célula

Eu sou o resto que sobrou de mim
A célula cancerosa
Boiando no vômito dos homens
O escarro pneumônico dos mendigos
O grito...
Eu sou o grito
Apenas

Não me desmintas!

Não me desmintas!
À mesa sinto o hálito acre de teu sexo
Sinto teu desejo
Correndo em tuas veias
Teus olhos mergulhados
Às possibilidades que, tola, negas

Não me desmintas!
São mais humanas que devassas tuas vontades
Teu desejo de por-te a meu jugo
Sob os pés de minha devassidão
Para que encontres a fêmea que te foge
Desejas em teu pescoço, sei
A coleira de meus olhos sentenciosos
Pôr-te deitada nua sobre meu colo
Enquanto inflamo tuas nádegas
Com minhas mãos

Não! Não me venha com farsas!
Não há máscara que cubra tua tesão
E a ânsia que possuis
De ver-te livre de teus medos

Entre nós
Guardaremos em segredo
Do afastar submisso de tuas coxas
Da vermelhidão de tuas nádegas
Do jorro em tua face

Venha então
Ou talvez nada haja

Silêncio

Adoro ver o gozo
Antecipado em teus olhos
Ver teu jeito de menina
Ansiosa pela primeira grande ousadia
Exalando delícias pelo corpo
Comprimindo vigorosamente as coxas
Mordendo involuntariamente os lábios
Como se fosse arrancá-los

Adoro ver teus medos
Acorrentados ao pé da mesa
Enquanto te ergues e me abraças
Como se fosse a última vez
E tua voz
Doce como deva ser o paraíso
Embarga palavras que já desimportam
(o menor tremor de tuas mãos me excita, provoca...).

Adoro essa tua liberdade
Arrancada às tripas
E cada um de teus delírios
Que dividimos
Em silêncio

Teus Olhos

Há em teus olhos a consagração do medo
Tânatos exultante, solene, triunfante altivo
Por ter feito Eros subjugado, sob o crivo
Da nova lei instaurada: em degredo

Ilhado, solitário... eis o adjetivo!
Solitário! Refém de tu enredo
Conspurcado por teu engano ledo
Mas, contudo, ainda vivo

Conspirando contra as mortes, subversivo
Construindo istmo que o leve ao continente
Do que em ti vive submerso, inconsciente

Escorrendo entre tuas coxas, redivivo
Renunciando às tuas mortes, teu temor abortivo
Algo que apenas teu olhar desmente